Espírito Santo: Pessoa e Obra na Criação


Chandler Tiago S. Sant’ Ana
Eric Fontes da Silva Nascimento

Mediante uma pesquisa detalhada na Bíblia Hebraica, este artigo tem como objetivo apresentar Ruah Elohim (Espírito de Deus) como uma pessoa, e não como “ventania”, “hálito de Deus”, “sopro”, “vento poderoso” e outros termos que não consideram o mesmo com personalidade e atividade singular na divindade. Todo o estudo apresentado neste artigo é fundamentado em Gênesis 1:2, apresentando sua função de extrema importância na criação e comparando traduções do Ruah Elohim. O conteúdo traz transparência por meio de uma tradução do original hebraico, fazendo uma análise gramatical e usando o método bíblico exegético para uma cognição mais acentuada sobre o Espírito de Deus.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda um dos personagens centrais da fé cristã: O Espírito Santo, pretendendo demonstrar sua Divindade e obra na criação. O fato de o termo Ruah significar vento, folego entre outros, tem levado alguns tradutores e biblistas a traduzirem o “Ruah Elohim” de Gênesis (Gn) 1:2 como “Ventania de Deus”, “Hálito de Deus”, e “Poder de Deus”. Toda via parece que esta não é a tradução, pois desconfigura a pessoa e obra do Espírito Santo. François Turretini salienta que o Espírito de Deus teria participado ativamente na criação, se esta hipótese for aceita a crença Trinitária ganha força (2010, p.395). Para obter o resultado desejado, o presente estudo será efetuado com base na metodologia Bíblico Exegética. Desta forma se fará uma análise histórica, literária e linguística do texto (OSBORNE, 2009, p. 280).

  2 O AMBIENTE DA CRIAÇÃO

No livro do Gênesis de 1 a 11 encontramos o relato da história primeva. O texto de Gênesis de 1.1 – 2.3 registram a história da criação do universo. A Criação, ou cosmologia, que abre o Livro do Gênesis difere de todas as outras narrativas que existiam entre os povos do mundo antigo. Sua falta de interesse no reino do céu e sua economia de palavras em representar o caos primitivo são altamente incomuns neste gênero de literatura. Isto é de particular importância à luz do fato de que uma das características inerentes de todas as outras cosmologias do antigo Oriente Próximo é a contenda interna dos deuses. Os relatos politeístas da criação sempre começam com a predominância dos poderes divinizados da natureza e, em seguida, descrevem em detalhes uma luta titânica entre as forças opostas. Eles inevitavelmente consideram a conquista da ordem mundial como o resultado de uma esmagadora exibição de poder por parte de um deus que então consegue impor sua vontade a todos os outros deuses (TURNER, 2017, p.1; FOKKELMAN, 1997, p. 55; SARNA, 1989, p. 2). 
As semelhanças e as dessemelhanças com o antigo mito da criação pagã do deus do vento (Enlil, ou Marduk) derrotando a deusa das águas (Tiamat) são impressionantes. A diferença entre os dois também é impressionante: na Torá a água e todos os outros componentes do universo não são mais considerados como deuses. (FRIEDMAN, 2003, p. 230). Moisés recebeu uma elevada educação no Egito e provavelmente lá tomou conhecimento desses relatos da criação e ao escrever o livro de Gn ele teve a oportunidade de refuta-los contando o verdadeiro relato da criação (CASSUTO, 1998, p. 300; WALTKE, 2010, pp. 22 – 23). Dentro desse relato ele parece destacar o papel do Espírito de Deus. Moisés ao falar da criação cita o Ruah Elohim (Espírito de Deus) que aparentemente tem um papel singular na criação; se assim for, o texto fornece uma boa base para a crença cristã Trinitária onde o Espírito Santo é considerado uma pessoa, ou seja, tem personalidade, assim como o Pai e o Filho (WHIDDEN, 2003, p. 76 – 88).

3 O PAPEL DO RUAH ELOHIM NA CRIAÇÃO

No entanto algumas traduções Bíblicas traduzem o Ruah Elohim de Gn 1:2 por “Vento de Deus” (BÍBLIA PAULUS, 2014). Johannes B. Bauer, Graz (2012, p.119) salienta que Ruah Elohim seria um superlativo e por isso deveria ser traduzido como: “ventania de Deus”, “sopro de Deus”, “tempestade de Deus”, “espírito de Deus”, “hálito de Deus”. Claus Westermann segue Graz ao traduzir como “ventania de Deus”. (WESTERMANN, 2013, p. 19). O Talmud Babilônico traduz o texto como “vento de Deus” (T.B. Hagiga 12ª). Por outro lado, o targum Pseudo - Jonathan traz em sua paráfrase “Espírito de Graça”:
וארעא הוות תהייא ובהיא צדיא מבני נש וריקנייא מן כל בעיר וחשוכא על אנפי תהומא ורוח רחמין מן קדם אלקים מנתבא
E a Terra estava informe e vaga, e solitária dos filhos dos homens e vazia de toda espécie (animal); e trevas haviam sobre a face do abismo, e o Espírito de Graça de YY soprava sobre a face das águas.

 Nesse sentido é necessário recorrer ao texto da Bíblia Hebraica e deixar que o mesmo fale por si.

וְהָאָ֗רֶץ הָיְתָ֥ה תֹ֙הוּ֙ וָבֹ֔הוּ וְחֹ֖שֶׁךְ עַל־פְּנֵ֣י תְהֹ֑ום וְר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים מְרַחֶ֖פֶת עַל־פְּנֵ֥י הַמָּֽיִם׃

E a terra estava inóspita e [havia] trevas sobre a face do abismo. E o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.

O texto hebraico começa com o וְ conjuntivo o que é singular, pois nesse caso o texto para, ao contrário do uso do וְ consecutivo onde o texto anda. Assim Moisés ao usar o וְ conjuntivo ele estar dando uma “pausa” para explicar como era a terra. A estrutura normal do hebraico é verbo, sujeito e complemento (WALTKE, 2006, p. 53). No entanto em Gn 1:2 o substantivo “terra” antecede “estava, era, הָיָה” verbo que está no tronco qal perfeito (GESENIUS, 2003, p. 221). Ou seja, ao Moisés usar o substantivo antes do verbo ele dar ênfase no substantivo. Assim é nítido gramaticalmente que Moisés estar explicando como era a terra antes da criação. Neste contexto singular o Ruah Elohim exercia um papel o qual por meio do hebraico também é possível perceber. Na segunda parte do versículo novamente Moises usa o וְ conjuntivo e inverte a ordem colocando o sujeito, Ruah Elohim, colocando antes do verbo, assim ele chama a atenção para o sujeito, isto é, Ruah Elohim. O verbo מְרַחֶפֶת usado por Moisés no tronco piel, no particípio expressa uma ação continua ou linear (GESENIUS, 2003, p. 766; BAUMGARTNER, 1999, p. 1219). Este verbo não aparece em nenhum momento na Bíblia hebraica para um ser impessoal, nem nas línguas cognatas[9]. É significativo o uso que Moises faz dele em Dt 32:11 onde o Deus de Israel é retratado como uma águia que estava cuidando dos seus filhos. Assim o leitor atento a estrutura gramatical do texto e a forma como Moisés usa o verbo na Bíblia hebraica percebe a intenção do autor. Cada palavra é escolhida precisamente com intenção de demonstrar a pessoalidade do Espírito de Deus na criação. A observação de Johannes B. Bauer, Graz (2012, p.119) de que o termo Ruah Elohim seria uma superlativo falha ao não observar que não existe nenhum superlativo assim na Bíblia hebraica (DAVIDSON, 2017). Desta forma a observação do erudito Judeu Umberto Cassuto (1998, p. 24) de que Ruah Elohim não pode ser traduzido por “vento de Deus” ou traduções dessa natureza é significativa, pois ele bem observou que o verbo מְרַחֶפֶת sempre está relacionado a um ser pessoal. É significativo destacar que o uso do וְ em וְרוּחַ (e Espírito) tem um sentido adversativo: “Embora a terra não tivesse forma, nem vida, e tudo estivesse mergulhado na escuridão, ainda assim acima da matéria não formada pairava Ruah Elohim, a fonte de luz e vida”.

4 CONCLUSÃO  
 A estrutura gramatical de Gênesis 1:2 demonstra de forma vívida a personalidade do Espírito Santo. Fica evidente logo na criação que o Espírito que é a terceira Pessoa da Divindade tem um papel fundamental para existência da vida. Moisés usa palavras e muito bem escolhidas, isto não é por acaso, o escritor bíblico trabalha cada termo de forma consciente e intencional. Termos que mais tarde aparecem no pentateuco para o próprio Deus. A palavra מְרַחֶפֶת utilizada pelo o autor de todo texto inspirado é observada em Dt 32:10-12. Deus é retratado aí como uma águia que cuida dos seus filhotes; o Eterno amou e cuidou de Israel em todo o trajeto do deserto. O leitor atento percebe a intertextualidade que aí existe por meio das terminações hebraicas e de forma inconfundível pode chegar a conclusões razoáveis sobre o Espírito Santo.
Assim como as jovens águias, que ainda não são capazes de se defender sozinhas, são incapazes, por seus próprios esforços, de subsistir e crescer fortes e se tornarem águias plenamente desenvolvidas, e somente o cuidado de seus pais, que pairam sobre elas, permite que elas sobrevivam e se desenvolvam, assim também no caso da Terra, que ainda era uma massa sem forma e sem vida. O cuidado paternal do Espírito Divino, que pairava sobre ela, assegurou sua evolução futura e vida.
O testemunho escriturístico posterior ainda observa que o Espírito foi um participante ativo na criação do homem (Jó 33:4); a Terceira Pessoa da Divindade também tornou a criação bela.

REFERÊNCIAS


BAUMGARTNER, L., K, W., Richardson, M.; Stamm, J. The Hebrew and Aramaic lexicon of the Old Testament. Volumes 1-4 combined in one electronic edition. New York: E.J. Brill, 1996.

BIBLIA, Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart: German Bible Society Westminster Seminary, 1996.

BLECH, B. O mais Completo Guina Sobre Judaísmo. São Paulo: Sêfer, 2004.

CASSUTO, U. A Commentary on the Book of Genesis: Part I, From Adam to Noah (Genesis I|VI 8) (I. Abrahams, Trans.) (vii). Jerusalem: The Magnes Press, The Hebrew University, 1998.

DAVIDSON, R. M. O Espírito Santo no Pentateuco. In: Siqueira, R. W; Tim, A. R (Org.). Pneumatologia Pessoa e Obra do Espírito Santo. Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2017.

FOKKELMAN, P. J. Gênesis. In: Alter, R. Fokkelman, P. J. (Org.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.

FRIEDMAN, E. R. Commentary on the Torah. New York: HarperCollins, 2003.

GESENIUS, W.; Tregelles, S. P. Gesenius' Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament Scriptures. Bellingham, WA: Logos Research Systems, Inc, 2003.

M. V. Van Pelt e W. C. Kaiser Jr., “רחף”, In: Willem A. VanGemeren (Org.). Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011.

NEUSNER, J. The Babylonian Talmud: A Translation and Commentary Peabody, MA: Editores Hendrickson, 2011.

OSBORNE, R. G. A Espiral Hermenêutica: Uma Nova Abordagem à Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009.

SPROUL, R. C. Quem é o Espírito? São José do Campos, SP: Editora FIEL, 2013, pp. 7-15.

RYLE, H. E. The Book of Genesis with Introduction and Notes. Cambridge: Cambridge University Press, 1921.

SARNA, N. M. Genesis. Genesis = Bereshit. The JPS Torah commentary. Philadelphia: Jewish Publication Society, 1989.

STUART, D.; Fee, G. D. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo: Editora Vida Nova, 2008.

TUNER, L. Anúncio de Enredo em Gênesis. Engenheiro Coelho, SP: Unaspress: Terceira Margem do Rio, 2017.

TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética, vol. 1. Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010.

WALTON, H. J; Matthews, H. V; Chavalas, W. M. Comentário Histórico – Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2018.

WALTKE, K. B.; Cathi J. Fredericks, Gênesis: Comentários do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

WALTKE, K. B.; M. O’Connor. Introdução à Sintaxe do Hebraico BíblicoSão Paulo: Cultura Cristã, 2006.

WESTERMAN, C. O Livro de Gênesis: um comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2013.  

WHIDDEN, W; Moon, J; Reeve, J. W. A Trindade. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006.

Designed by OddThemes | Distributed by Gooyaabi Templates